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Todos nós temos manias, em maior ou menor grau. Mas em qual medida essas esquisitices podem ser classificadas como Transtorno Obsessivo-Compulsivo e pedem tratamento médico?
Todo mundo tem suas manias. Tem gente que não suporta ver quadros tortos, outras organizam o armário com as roupas em degradê ou dispõem os objetos paralelos na mesa de trabalho. Algumas dessas nossas pequenas obsessões são simplesmente inexplicáveis – simplesmente existem. Mas quando elas extrapolam os limites normais e viram obsessão?
O distúrbio conhecido por TOC – Transtorno obsessivo-compulsivo – é bem mais grave e complexo do que não resistir a cortar fiapos da roupa. O problema se caracteriza quando ideias e pensamentos involuntários e indesejáveis invadem a mente e, muitas vezes, levam a ações repetitivas e sem propósito. Os pensamentos e comportamentos tomam proporções incontroláveis e impactam negativamente a vida de uma pessoa, em casa ou no trabalho.
A definição de TOC acabou banalizada e imprecisa a ponto de, no senso comum, nomear qualquer mania relativa a limpeza ou organização, como acomodar camisas por cor dentro do armário, por exemplo. Mas essas esquisitices não podem ser automaticamente classificadas como sintomas do transtorno. A obsessão do paciente do TOC é diferente daquela do sujeito que é “obcecado” pelo trabalho ou por manter a cozinha limpa.
“Por definição o transtorno só se caracteriza quando os padrões de pensamentos e rituais de comportamentos repetitivos e difíceis de evitar causam angústia ou ansiedade, consomem tempo e interferem na qualidade de vida da pessoa, como uma espécie de escravidão. Caso contrário, são pequenas obsessões que todos nós temos, em maior ou menor grau”, explica a psicóloga, sexóloga e escritora Jussania Oliveira, autora do livro Amor… Próprio (@jussaniapsicosex).
Segundo a psicóloga, é normal vez ou outra ficarmos em dúvida se trancamos o carro ao chegar na academia ou se desligamos o fogão depois de cozinhar – vamos voltar para checar. “Vivemos ocupados, atrasados para os compromissos, e executamos muitas ações cotidianas no piloto automático, sem prestar atenção”, explica a psicóloga. O problema é quando a preocupação se torna frequente a ponto de se manifestar toda vez que saímos de casa. O paciente de TOC vai voltar para conferir a ação, mas não queria ter que fazer isso, porque sabe que é desnecessário.
Os comportamentos e pensamentos compulsivos mais comuns do TOC são:
- Mania de limpeza, seja corporal, de itens da casa ou de áreas de uso comum.
- Preocupação excessiva com germes e bactérias e medo de contrair doenças ao tocar objetos.
- Checagem e conferência de falhas no trancamento de portas, janelas, gás.
- Obsessão por organização e simetria na disposição de objetos.
- Medo de perder ou não encontrar objetos que podem ser necessários.
- Constante repetição de atos como apagar e acender luzes, abrir e trancar portas.
- Temor de perder o controle e machucar outras pessoas.
- Pensamentos intrusivos e impróprios sobre sexo e religião
“No verdadeiro transtorno, os pensamentos e comportamentos que se impõem, além de causar algum tipo de aflição ou sofrimento, interferem no cotidiano e levam a pessoa a alterar hábitos, geralmente com prejuízo de suas atividades. Por exemplo, a ideia de que tocar em alguma coisa suja vai fazê-la adoecer impele a pessoa a evitar contato com dinheiro, maçanetas e banheiros públicos ou a lavar as mãos infinitas vezes ao dia”, diz Jussania Oliveira. “Ela tem plena ciência do despropósito da ação, mas não consegue evitá-la. Não quer lavar as mãos, mas não consegue ficar sem lavar”.
“O que distingue o comportamento normal da patologia é o grau de intensidade e frequência em que o comportamento ou o pensamento se manifesta. Para grande parte das pessoas ele costuma vir acompanhado de ansiedade, depressão e fobia social, como a dificuldade de sair de casa”, continua a psicóloga.
Os especialistas calculam que até 2% da população mundial possa ter diagnóstico do distúrbio, segundo dados da Associação Solidária do TOC e Síndrome de Tourette (Astoc St). Mas é preciso também saber separar os traços obsessivos das características de personalidade – existem pessoas que são naturalmente propensas a serem organizadas, perfeccionistas, meticulosas e minuciosas.
Nessa linha dos pensamentos obsessivos que caracterizam o TOC se incluem também aqueles de cunho erótico e sexual. Porque no diagnóstico também se configura, por exemplo, o desejo incontrolável de ficar olhando para bundas, seios ou genitais em roupas apertadas. “Importante é saber distinguir o que é o desejo normal de admirar algo bonito do pensamento recorrente que gera desconforto e constrangimento”, frisa Jussania.
Essas compulsões sexuais não tem nada a ver com fantasias, que em geral se relacionam a desejo ou prazer. As obsessões sexuais relacionadas ao TOC são acompanhadas de vergonha e repugnância proporcionais à incapacidade de afastá-las do pensamento. Frequentemente esses pensamentos nada inocentes envolvem homossexualismo, abuso sexual, sadismo e incesto.
O tratamento do TOC costuma incluir psicoterapia cognitivo-comportamental e uso de medicamentos antidepressivos, como os inibidores seletivos de recaptação da serotonina, como forma de controle dos sintomas. Na psicoterapia, uma abordagem que se mostra eficaz há tempos é chamada de “exposição e prevenção da resposta”. A pessoa é deliberadamente exposta ao objeto ou à ideia temidos (tanto no plano real como pela imaginação) e desencorajada de ter sua reação natural.
Por exemplo, quem lava as mãos de modo compulsivo é estimulado a tocar um objeto supostamente contaminado e ficar sem lavar as mãos durante horas. Quando o tratamento surte efeito, o paciente sente os pensamentos obsessivos diminuírem gradualmente e consegue ficar sem atitudes compulsivas por períodos cada vez mais prolongados.